segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Falando dela...


Não sei por que razão o ônibus parou ao lado do pedágio.
Em qual pedágio será que estávamos? Era a linha Foz do Iguaçu-Curitiba, um percurso de 640 quilômetros que tem nove pedágios, qual deles era aquele?

Acordei com o ônibus parado, o motorista não acendeu as luzes e a maioria dos passageiros devia estar dormindo.
Enquanto isso, o passageiro da poltrona na minha frente levantou e foi ao banheiro.
Era um daqueles ônibus que tem dois andares e vista panorâmica na frente. Esse passageiro ocupava a poltrona 01, quando levantou lembrei que ao sair de Foz o tinha visto tomar assento, era deficiente da perna esquerda e usava muleta. 

Ao lado do homem que levantou estava sentada uma mulher. Eles não estavam juntos porquê vi que eles se comportaram como desconhecidos quando entraram no ônibus na Rodoviária de Foz.
Enquanto o homem se encaminhava ao fundo do ônibus para ir ao banheiro, andando com dificuldade pelo corredor estreito do ônibus no escuro, a mulher desceu as escadas e foi conversar com o motorista.
Como eu estava na poltrona nº 06, que é a do corredor ao lado das escadas, ouvi  bem, no meio daquele silêncio, ela explicando que o homem era deficiente e pedindo para aguardar até o homem voltar.
Não escutei resposta, mas a mulher pareceu ficar satisfeita, subiu e ficou em pé perto da escada sem voltar para sua poltrona e o ônibus continuou parado naquele lugar, o que para mim significou que o motorista tinha aceitado aquele pedido singular.

Fiquei pensando: Será que ele vai demorar no que foi fazer? Afinal, agora o ônibus estava parado esperando que ele concluísse o que fosse que tinha ido fazer e ele nem suspeitava disso.
Daqui a pouco a mulher, que continuava em pé, olhou para o corredor e deve ter visto o homem voltando, pois falou para o motorista que ele já estava retornando e a seguir ocupou o lugar dela. 
O homem nem tinha sentado quando o motorista colocou o ônibus em movimento. Ele saiu de um jeito tal que imaginei que tinha ficado um pouco irritado com a espera, afinal de contas nunca param para alguém ir ao banheiro. Menos mal que o homem não demorou, porque senão a situação ia ficar meio constrangedora.
Depois que o ônibus voltou a andar o homem não sentou imediatamente, achei que não era tanto pela dificuldade, porquê parecia estar firme. 
Estava me perguntando se ele teria aprovado a atitude dela, uma vez que todos os passageiros ficaram aguardando ele ir ao banheiro para poder continuar a viagem.  
Desconfiava que ele teria achado desnecessário que o ônibus aguardasse enquanto ia ao banheiro. 
Sem contar que as pessoas preferem não fazer essas tarefas no ônibus e, caso seja necessário ir, vão discretamente. A mulher, com a intenção de ajudar, acabou chamando a atenção para o que ele foi fazer.

Bem, achava que o fato estava concluído, no entanto, naquela pausa antes de sentar o homem disse à mulher: "Não consegui pegar água", como explicando o que ele foi fazer lá nos fundos.

A mulher, que pensava que ele tinha ido ao fundo do ônibus para ir ao banheiro, um tanto surpresa apenas disse: Água?  Ele falou: Sim, tinha que abrir a porta da geladeirinha e não deu. 
De fato, no fundo desses ônibus sempre têm uma geladeirinha cheia de copos de água para os passageiros.
Ela deve ter entendido que era por causa dele ter que segurar a muleta e ao mesmo tempo se agachar, abrir a geladeirinha e segurar o copinho de água. Gentilmente, ela perguntou: Quer que pegue para o Senhor?  Ele balançou a cabeça afirmativamente e disse: Sim, é que tenho que tomar meu remédio. A mulher levantou imediatamente e lá se foi ela pegar água, meio cambaleando no escuro enquanto o ônibus avançava pela estrada.

Foi nessa altura que comecei a achar algo cômica a situação. Olhei os passageiros em volta para ver se alguém mais estava percebendo o que estava acontecendo, mas não achei ninguém para ser meu cúmplice em conter o riso, apenas o silêncio no escuro daquele ônibus. Todos deviam estar dormindo.
Enquanto a mulher voltava pensei: Essa mulher agora esta fazendo uma boa ação a pedido dele e ao que parece sou a única testemunha disso.
Até pensei em dizer algo para ela, talvez uma palavra apenas para ela perceber que seu feito tinha reconhecimento, mas achei que não era para tanto e ai me lembrei de uma passagem na Bíblia que diz algo assim: “Que tua mão esquerda não saiba o que faz tua mão direita”, no sentido de não se vangloriar dos atos piedosos. Estava divagando sobre isso quando ouvi ela voltando.

A mulher voltou trazendo água e deu um copinho para ele, que agradeceu com um simples “obrigado”. Depois disso não lembro mais se ela falou algo, porquê o sono já estava dominando e minha imaginação brincava nos portais de um sonho. Esse sonho misturava o que tinha acabado de observar e nele a mulher aparecia com um pequeno grupo de amigas contando-lhes o que tinha acontecido no ônibus. Elas riam e ela ria junto lembrando daquela situação.
Depois disso só fui acordar ao chegarmos perto da rodoviária de Curitiba. Enquanto acordava lembrei do meu sonho e me perguntei se ela comentaria isso num círculo de amigas ou se ia esquecer o lado engraçado de ter parado o ônibus pensando que o homem ia ao banheiro e preferir não se vangloriar da boa ação de ter ido pegar água para ele.
Será que se ela contasse não seria um bom exemplo?  

Acho que o crédito pela sua atitude deve ter sido contabilizado imediatamente pelo Universo e, por outro lado, para mim o que ficou foi o sentimento calmo de ter visto uma gentileza, aquele gesto solidário para com um desconhecido, mesmo envolvendo um mal entendido e tratando-se de uma pequena ação.
Acredito que nenhuma boa ação se perde, nem que seja pequena, nem passa totalmente despercebida, mesmo que ninguém comente de imediato.

Uma boa ação, uma vez que ela existiu, manda sua energia para se juntar ao que a humanidade fez de bom.
Junto com os atos heroicos, daqueles que deram até as próprias vidas e fizeram grandes sacrifícios para o bem, junto também das ações que trouxeram progressos à humanidade, ao lado das ações de perdão e de todas as atitudes de misericórdia e pequenos sacrifícios diários das mães, e que está longe de ser pouco, somam-se todas as ações boas e até as gentilezas como essa. Um conjunto de energias boas é poderoso e deve ser muito brilhante.

Voltando àquela pequena ação, hoje penso que meu comentário aqui sobre o acontecido ela jamais poderia imaginar.
Feliz daquela que tem suas boas ações comentadas e nem sequer suspeita disso.

Quantas coisas do que fizemos alguém terá comentado, os pobres de espírito comentarão nossos erros, se lambuzarão em nossas falhas, mesmo assim elas servirão de exemplo a ser evitado, mas, por incrível que pareça, existem aqueles que vão reparar naquilo que fizermos de bom.

Faço o que acho que tem que ser feito e penso que cada um mostra quem é com suas atitudes, mas sei que as críticas são comuns e procuro ver o lado bom delas. Se não houver criticas desconfio que nada interessante foi feito.

"Aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo" 
 Oscar Wilde

No meio das criticas não é raro ouvir opiniões a favor, enfim, se algo dizem é sinal de que algo estou fazendo. Pode esperar que é certo que o povo vai falar, as pessoas falam de qualquer coisa, até do copinho de água que uma mulher deu para um homem no ônibus.

Finalmente, como disse Oscar Wilde: 
"Se existe no mundo coisa mais aborrecida do que ser alguém de quem se fala é certamente ser alguém de quem não se fala".

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