quinta-feira, 21 de março de 2013

O Cantinho da Timidez

Gosto de aprender idiomas.
Nem sempre foi assim, quando criança fui automaticamente colocado para aprender inglês e não gostava muito.
Achava as aulas estressantes, principalmente, porque todos tinham que falar.
Toda aula tinha daqueles exercícios que um faz uma frase e depois o outro e assim vai avançando de um em um, você logo conta qual vai ser a sua frase e prepara a resposta. 
Depois que passava minha vez dava um certo alivio.

Talvez até fosse um pouco tímido. Mas não lembro de alguém ter me dito que eu era, talvez por isso nunca achei que fosse.
Ninguém diria que eu era tímido, era bem participativo no geral,  sem contar que no grupo de amigos mais próximos chegava a ser normal.
Acho que ninguém é tímido dentro do seu  grupo de amigos, aquele grupo dos amigos bem conhecidos, um  grupo bem pequeno é claro. 

Se alguém tivesse perguntado se era extrovertido, com certeza absoluta teria dito que não.
Agora, tímido? Dependia do contexto. Com exceção daqueles breves minutos na aula de inglês e daqueles outros na hora de tirar a moça para dançar numa festa, não era tímido não. 
Era calado. De fato não falava muito, alguém dizia que tinham que usar colher para tirar as palavras da minha boca. 

Isso mudou muito, como? Talvez foram se acumulando as coisas que tinha para contar, mas, creio que foi mais devido aos longos anos de escola.

A escola definitivamente é sociabilizante.
Estudávamos oito horas por dia, era uma tal quantidade de todas as matérias que parecia que nos queriam transformar em pequenos Googles ambulantes.
De tanta atividade escolar aprendi a deixar a timidez de lado. 
Nunca a perdi de vista, nem ela desapareceu, ela esta ai num cantinho, mas quando aparece não me incomoda. 
Talvez ela cresceu, assim como eu cresci, acho que ela ficou interessante, virou prudência ou uma prima dela.

O caminho percorrido, no qual a timidez foi para o cantinho dela e se transformou, teve momentos marcantes.
Os principais foram ligados às apresentações. 
Inicialmente, foram daquelas apresentações que são feitas nos colégios no final do ano lectivo. 
Participei de várias e quase voluntariamente. A maioria delas não faço questão de lembrar, não são trofeus, parecem mais com obstáculos superados.

Aprendi várias técnicas para dominar essa coisa paralisante que parece que te congela, uma delas era conhecer bem o lugar onde a apresentação ia acontecer.
Isso está mais ligado a uma época posterior, já formado e trabalhando com pesquisa, quando tinha que apresentar resultados de um trabalho, com pouco tempo, no salão de um Congresso (técnico).
Nessa época ainda não dava muito valor ao conteúdo a ser apresentado. 
Apenas o utilizava sem saber realmente qual era seu efeito no estado de ânimo. 
Depois descobrí que o conteúdo é uma parte fundamental para dominar a timidez numa apresentação.
Ir conhecer o local é importante. Mesmo sem público, estar no palco desperta uma emoção.

O grande divisor de águas, no entanto, foi o primeiro curso de teatro, que não se chamava curso e sim "oficina" de teatro.
A primeira "Oficina de Teatro" que fiz  foi na Universidade de Viçosa, onde estava por conta de um mestrado que não tinha nada a ver com o teatro. Aliás, minha atração pelo teatro foi bem indireta. 

Por incrível que pareça começou  numa assembleia da associação dos alunos de pós-graduação, onde estava em discussão não sei mais o quê, mas a questão era que estava falando a Presidenta da Associação e me chamou muito a atenção, pela maneira como ela falava.
Sou extremamente observador. Isso é algo que você pode esperar de uma pessoa tímida. Quem fala pouco tem mais tempo para pensar e observar.
Percebi que a presidenta mostrava um leve sorriso, dizia as coisas e ia mudando a direção do olhar, se dirigindo a todos, num auditórium lotado de jovens que faziam mestrado e doutorado naquela universidade, ela mantinha uma presença tranquila e sua voz se fazia ouvir. 
Não havia dúvidas do porquê era ela a Presidenta, estava bem preparada e mesmo de longe era cativante, mas, havia algo como uma técnica e despertou minha curiosidade.
Tínhamos uma amiga em comum e ficamos amigos. Acho que ser amigo dela foi um dos muitos milagres que aconteceram na minha vida.
Foi com Amarylles que conheci pessoas que faziam teatro, principalmente ela.
Quis aprender mais a respeito e foi assim como cheguei na primeira oficina de teatro. Com o passar do tempo fiz umas três ou quatro.

Voltando a Amarylles, volta e meia eu descobria coisas e ela me olhava com aquele olhar de quem não está acreditando que eu não sabia algo tão básico.
Nem eu mesmo entendo. 
A coisa mais estonteante de todas, foi que um dia olhando o sorriso dela reparei em algo e "PLIM" caiu a ficha, falei: "Perai, então quer dizer que para sorrir tem que mostrar os dentes ?"
Incrível. Eu não sorria. Sim, sorria do meu jeito. Olha que tinha os dentes sem nenhum problema. 

Isso foi o cúmulo, mas cansei de ouvir dela aquela frase: "Mas, já falei muitas vezes isso para você !" Claro que ela aprendeu algumas coisas comigo, uma pode ter sido que ninguém aprende por você falar, você pode repetir mil vezes, a pessoa só vai aprender quando chegar a vez dela saber.
É inacreditável. 
Bem, posso dizer que com ela aprendi a sorrir.
Como gostaria de conversar de novo com ela. A perdi de vista. Mudanças de cidades, de países, destinos que seguem para frente, inexoravelmente.
Isso não me preocupa. Nas voltas que a vida dá vamos nos encontrar, até lá tenho que correr atrás de aprender mais porque sei que ela vai voando.
Ah não, deixa contar para você mais uma dessa minha inesquecível amiga. 
Ela estava fazendo um mestrado, não lembro exatamente em qual área, só que nessas alturas sentia fortemente a vocação pela psicologia, tanto que fez o vestibular e passou. Como argumentei, não adiantou, largou o mestrado e foi iniciar a graduação em psicologia. "Normal" como ela diria. Pior que eu entendo. Mas, sei que muita gente não entenderia.
Sigamos.

Depois da última oficina, participei de um grupo de teatro amador, que montou a peça "Flicts, a Cor" de Ziraldo.Voltada para o público infantil.
Para quem pensa que isso é mais fácil, diria que sim, o público infantil é o melhor começo possível, alegre, vibrante, um tanto inquieto, mas, independente de quem constitui o público, o palco é sempre um palco.
Não interessa se é amador, se é para crianças, nada, o que você enfrenta não são crianças, é um público, e mais do que nada o que você enfrenta é você mesmo, especificamente, aquela força que você está empurrando para um canto.
A timidez recua, a cada fala sua ela leva um susto.
Ela jamais volta a ser a mesma. 
Mas, sempre volta, nunca desiste, nunca desaparece, porque ela é uma parte de nos. 
Ela se modifica e cresce também. 
Nunca saberei o que teria acontecido sem a experiência das oficinas de teatro, só sei que foi uma experiência transformadora muito importante.

Foi isso, depois de algum tempo apresentando essa peça nos finais de semana, dei como concluída essa fase do teatro, acabou.

Até o dia em que a vida me levou a ser professor numa universidade.
Como valeram as oficinas de teatro! 
Sim, porque a timidez se levantou do seu canto e veio com tudo.
Foi então que descobrí que ninguém é tímido se tem um conteúdo e noções de uma técnica de teatro.

Foram cinco anos de professor com incontáveis apresentações. 
Cada aula que dei frente aos alunos foi uma apresentação, estava num palco, a comunicação com eles e a maneira como o conteúdo era apresentado faziam a peça.
Muitas peças eram fáceis e em outras, antes de entrar na sala de aula, pensava no teatro e minha coragem vinha de saber que dominava um conteúdo e a emoção estava ligada à importância ou à parte apaixonante daquele tema.
O professor algumas vezes é uma personagem, como qualquer outra personagem numa peça de teatro.

Deixei de dar aulas, não dou mais cursos, não faço mais nenhuma apresentação, meu trabalho atual esta longe de qualquer palco.   
O único que sobra são eventuais reuniões ou alguma discussão de improviso.
Será que a falta de uma apresentação tem alguma coisa a ver com os cursos de idiomas ?
Acho que sim. Por mínimo que seja o holofote, é necessário testar sempre, para saber se ela está no seu canto.
Ela detesta holofotes.
Ultimamente, eu também.


FIM





OBS:
Falei que gosto de idiomas, o único que parei de aprender foi o francês, mas, parei com esse e fui para o italiano, que gosto e continuo, no entanto, o grande desafio nesse campo é o russo.
Acho o russo fascinante. Só que para falar sobre russo preciso mais espaço, vou deixar para outra oportunidade.

 


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